
Ora, este ainda não está em vigor pelo que, uma parte importante do presente trabalho, consiste em tentar prever alguns impactos que o mesmo deverá provocar no funcionamento das escolas.
Neste particular, julga-se que as maiores mudanças deverão ocorrer devido às alterações introduzidas no regime de faltas. Desde logo na diferença na contagem das faltas derivadas do, quase, desaparecimento das faltas injustificadas, mas sobretudo devido à introdução de novos procedimentos, a levar a cabo quando os alunos excederem o limite de faltas, 3 vezes o número de aulas semanais em cada disciplina. Estes novos procedimentos passam pela aplicação de medidas correctivas e pela realização de uma prova de recuperação.
Estas mudanças levarão a um número substancialmente maior de comunicações de faltas para os encarregados de educação. Mas, mais importante que isto, muito provavelmente passará a haver muitos mais conselhos de turma para definição das medidas correctivas a aplicar aos alunos, definição das respectivas provas, avaliação dos efeitos das medidas correctivas e encaminhamento dos processos dos alunos que não tenham aproveitamento na prova.
Embora estes procedimentos não tenham obrigatoriamente todos de passar por um conselho de turma, em alguns deles isso está já previsto (por exemplo nas decisões a tomar nos casos em que os alunos não tenham aproveitamento na prova de recuperação), na maioria dos restantes, não terão qualquer tipo de eficácia se isso não acontecer.
Relativamente ao excesso de faltas, tendo em conta a reflexão efectuada, baseada também ela em algumas opiniões registadas sobre o novo regime, a operacionalização que parece mais exequível será a de se estabelecerem medidas correctivas adequadas a cada caso e sempre que os alunos tiverem avaliação positiva nas mesmas, não será realizada a prova de recuperação. As medidas correctivas que se estabelecerem em cada caso, normalmente de “integração escolar”[1], funcionarão, como castigo para alguns alunos, mas também como forma de recuperação para outros que faltam por motivos justificados. De qualquer forma, para os alunos que faltem sem justificação, será sempre uma oportunidade, já que no anterior estatuto estes procedimentos não estavam previstos, pois, ao excederem o limite de faltas, os alunos ficavam imediatamente em situação de retenção.
Relativamente ao regime de faltas permanecem ainda muitas dúvidas que só a entrada em vigor do novo estatuto esclarecerá melhor:
· Quantos alunos por turma estarão nesta situação?
· Quantos alunos cumprirão as medidas correctivas que lhes vierem a ser aplicadas?
· Quantos alunos voltarão a exceder o limite de faltas depois de já o terem feito uma vez?
· Que matéria ou matérias deverão ser incluídas na prova de recuperação?
Estas são apenas algumas das muitas perguntas que não deverão ter resposta única, pois, se por um lado o contexto social em que cada escola se encontra deverá levar a que haja diferenças significativas no número de casos de excesso de faltas dos alunos, por outro, como já foi referido, o estatuto do aluno não define a forma como serão implementados muitos dos procedimentos, o que fará com que a sua operacionalização possa variar de escola para escola.
Quanto às infracções e acções a tomar pela escola quando são violados os deveres do aluno consagrados no Estatuto e no Regulamento Interno da escola, pode-se concluir que em termos de medidas correctivas apenas foi retirada a advertência, não havendo alterações nas restantes.
No que respeita às medidas sancionatórias é de referir que o número de dias de suspensão deixou de estar em dois grupos distintos de um a cinco e de seis a dez dias, sendo que pelo anterior Estatuto a medida de suspensão de seis a dez dias impunha a instauração de um processo disciplinar, enquanto que com o novo Estatuto a medida de suspensão apenas prevê um grupo que vai de um a dez dias, impondo a obrigatoriedade de instaurar um processo disciplinar, independentemente da sanção a aplicar, após conclusão do processo, mesmo que seja um dia de suspensão.
Por outro lado verifica-se que em termos processuais a medida de transferência de escola deixou de ser da responsabilidade do Conselho Executivo ou Director de escola, ouvido o Conselho Disciplinar (que continuam a fazer parte do processo), mas passou a ser decidido pelo Director Regional de Educação.
Isto quer dizer que enquanto no anterior Estatuto a aplicação da sanção era da exclusiva responsabilidade dos órgãos da escola, tendo apenas interferência o Director Regional de Educação para garantir a execução da mesma, agora passou a ser o Director Regional de Educação a decidir se o aluno irá ou não ser transferido.
Assim, está posta em causa a autonomia da escola, relativamente a questões que são da sua exclusiva responsabilidade e do seu inteiro conhecimento: “A principal ilação a tirar é que não há ‘autonomia da escola’, sem o reconhecimentoda ‘autonomia dos indíviduos’ que a compõem”[2]
Conclui-se também que este novo Estatuto vem acarretar uma carga burocrática maior, porque sempre que haja lugar à instauração de um processo disciplinar é nomeado um instrutor, que será um professor nomeado pelo Conselho Executivo ou Director, não deixando o professor de cumprir as suas obrigações lectivas, pelo que, por esse facto, se houver uma escola onde o número de processos disciplinares forem em grande número, terá que se verificar um de dois cenários: Ou vão ser nomeados vários professores para os diferentes processos ou esta tarefa recairá num conjunto reduzido de professores. Em qualquer das duas situações irá haver uma sobrecarga de trabalho, e, uma vez que os processos disciplinares têm prioridade sobre as actividades lectivas, isto implicará algum grau de prejuízo para os restantes alunos.
Na pesquisa realizada, quer através do inquérito, quer da recolha de artigos de opinião, verificou-se um grande desconhecimento sobre o texto real, vulgarizando-se os rumores em detrimento das informações fidedignas.
Assim, encontrou-se uma desinformação generalizada, sendo particularmente grave nalguns componentes da comunidade educativa, como os alunos e os seus encarregados de educação.
Também prejudicial, embora eventualmente sintomático do tipo de debate a que se assiste, foi a falta de resposta por diversos interessados potenciais neste processo, desde autarcas a Associações, passando pelos serviços do Ministério da Educação.
Aliás, e no decorrer das pesquisas efectuadas, afigurou-se-nos que independentemente das políticas decretadas, a pesada máquina institucional do Ministério, apresenta uma inércia que é dificil vencer, fruto de processos ultrapassados enraizados nalguns funcionários, que “emperram” qualquer reforma, por muito bem intencionada que seja.
Já a falta de respostas informadas por parte da sociedade civil em geral, é um fenómeno particularmente grave, ao revelar uma sociedade desinteressada das temáticas educativas.
Porém, no decurso da realização deste trabalho, ou seja, já depois da sua proposta no âmbito da disciplina de Sociologia e Psicologia, o impacto mediático dos casos de indisciplina filmados por alunos e televisionados exaustivamente em horário nobre, trouxeram mais uma vez o Estatuto do Aluno para a ribalta, assistindo-se novamente à sua discussão na comunicação social, desde as mesas redondas televisivas às colunas de opinião nos jornais, mas, uma vez mais, o debate envolveu essencialmente a classe política e jornalística, com as habituais posições, em que os partidos da oposição criticam as medidas governamentais, as quais são por sua vez defendidas pelas forças políticas que apoiam o governo. Os jornalistas por sua vez, demonstram conhecer muito mal o documento, o que prejudica a qualidade do debate.
Os grandes ausentes desta discussão foram os professores, que mal ou bem, terão certamente alguns dados a acrescentar, fruto da sua experiência no terreno.
Afinal, as situações actualmente relatadas nos media como algo de surpreendente, são conhecidas desde há muito tempo pela generalidade da classe docente.
Assim, neste tema como em tantos outros, a usual subalternização dos contributos dos agentes educativos presentes nas escolas, poderá ter um preço que se pagará caro, pois como afirma Kenneth Zeichner: “um ensino de qualidade não é propriedade exclusiva das universidades e centros de investigação, (…) há uma separação entre teoria e prática que tem que ser ultrapassada: as teorias existem apenas nas universidades e a prática existe apenas nas escolas”[3]
E, neste caso, os contributos das escolas podiam ser importantes ao ter que aplicar medidas que nalguns aspectos permitem interpretações dúbias. Se por um lado algumas das dúvidas interpretativas podem abrir caminho a alguma autonomia, ao permitir a adopção de respostas diferentes em escolas diferentes, o espírito geral parece algo mais centralizador: Por exemplo as medidas disciplinares até aqui decididas pelos Conselhos de Turma, passam a ser responsabilidade exclusiva do Presidente do Conselho Executivo – ou Director da Escola –, e da Direcção Regional de Educação.
É um preocupante passo no sentido de burocratizar o processo e de transferir o processo para fora da turma que lhe deu origem, cedendo a uma tendência centralizadora que contraria a ideia inicial anunciada. As escolas não são todas iguais e as suas especificidades devem ser consideradas. Parece um regresso à ideia de “Schools make no difference”[4], esquecendo-se o princípio de autonomia que se deseja para as escolas.
“O principal problema que afecta as escolas (...), é provocado pelo centralizado e burocratizado sistema de controlo que se exerce sobre elas.”[5], já afirmava João Barroso em 1996, mas 12 anos depois gestão disciplinar deslocaliza-se dos Conselhos de Turma para as Direcções Regionais.
Existem no entanto sinais positivos: A necessidade de esclarecer algumas das questões pendentes na articulação do Estatuto, tal como foi descrito ao longo deste trabalho, levaram o Ministério da Educação a atrasar sua implementação, dando mais tempo às escolas para encontrar soluções.
Dada a exigência de que os Regulamentos Internos das Escolas sejam adaptados ao novo Estatuto do Aluno, a sua aplicação imediata revelou-se inoportuna, reconhecendo o Ministério a complexidade da sua concretização prática nas escolas, no momento da entrada em vigor do Estatuto.
Assim, através do Ofício-Circular nº 6, de 21 de Fevereiro, o Ministério instruiu as Escolas que, no respeitante à adaptação dos Regulamentos Internos, estes deveriam estar concluídos até final do corrente ano lectivo 2007/2008, aplicando-se o regime anterior às situações que não estejam ainda contempladas no Regulamento Interno (ex: a prova de recuperação para justificação das faltas).
Este abrandamento pode permitir um maior esclarecimento das dúvidas existentes, sendo intenção dos autores deste trabalho disponibilizar a informação que recolheram e trataram num blog, actualmente disponível na Internet, onde para além de se proporcionar como espaço de debate, permitirá a consulta do presente documento.
Acredita-se assim que a discussão pública será forma mais eficiente de fornecer soluções ao debate actual: “Expondo e examinando as suas teorias práticas, para si próprio e para os seus colegas, o professor tem mais hipóteses de se aperceber das suas falhas. Discutindo publicamente no seio de grupos de professores, estes têm mais hipóteses de aprender uns com os outros e de terem uma palavra a dizer sobre o desenvolvimento da sua profissão”[6]
[1] alínea c do nº2 do art. 26º
[2] Barroso, João (1996). “O Estado da Escola”, p. 186
[3] Zeichner, Kenneth (1993). “O Professor como Prático Reflexivo”, p. 16 a 21
[4] Hodson, citado em “O Estado da Escola”, p. 178
[5] Barroso, João (1996). “O Estado da Escola”, p. 174
[6] Zeichner, Kenneth (1993). “O Professor como Prático Reflexivo”, p. 21
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