
Neste ponto, abordam-se, através duma subdivisão em Assiduidade, Comportamento e Grupos Minoritários, as principais alterações registadas:
3.1 Faltas
Com a Proposta de Lei nº 140/X o actual governo definiu as bases e enunciou os objectivos para a alteração do anterior “Estatuto do aluno” (Lei nº 30/2002, de 20 de Dezembro) e que conduziriam à aprovação do novo diploma (Lei 3/2008 de 18 de Janeiro).
O novo estatuto prevê algumas alterações pontuais: a introdução da expressão “formação cívica” no art.º 2º; acrescenta-se o “estatuto do aluno” como documento que os alunos têm o dever de conhecer, alínea k do n.º2 do art.º 6º; e previsão de técnicos de psicologia e orientação na elaboração de planos de acompanhamento para os alunos, bem como na identificação e prevenção de situações problemáticas.
Mas as grandes alterações introduzidas pelo novo diploma são muito mais significativas em duas áreas: o regime de faltas e os procedimentos disciplinares.
Relativamente ao primeiro muda desde logo a definição de “falta”. No anterior estatuto as faltas justificadas eram consideradas como se praticamente nunca tivessem existido, no novo, foi revogado o art.º 20º, que estabelecia a definição de “falta injustificada” e, em termos práticos, as diferenças entre faltas justificadas e injustificadas deixou de existir. A única excepção a isto é a situação prevista no nº2 do art.º 22 em que há uma diferença prática entre faltas justificadas e injustificadas, mas ainda assim é uma diferença pouco significativa e será abordada mais á frente.
Parece um pouco contraditório que desapareça a definição de falta injustificada (art.º 20º), quando estas aparecem referidas no art.º 22º e se mantem o art.º 19 que discrimina os motivos previstos para a sua justificação.
Nos pedidos de justificação de faltas, passa a estar prevista a caderneta do aluno, como via de comunicação entre encarregado de educação e director de turma.
Os limites de faltas que o aluno poderá dar mantêm-se em três vezes o número de aulas semanais em cada disciplina. No entanto, no antigo estatuto, só eram contabilizadas as faltas injustificadas, no novo serão todas pelo que os alunos atingirão muito mais facilmente esse limite.
Existe também uma diferença na obrigatoriedade de informar os encarregados de educação sobre as faltas dos seus educandos. No regime anterior, o director de turma ou professor titular, deverá informar o encarregado de educação quando o seu educando atingir “metade do limite de faltas injustificadas”[1], no novo apenas deverão ser informados quando atingidas as faltam correspondentes a duas vezes o número de aulas semanais. Por um lado o aluno terá de faltar mais vezes para que os pais sejam informados, mas tendo em conta o facto de, no novo estatuto, serem contabilizadas também as faltas justificadas, na prática parece-nos bastante provável que passe a haver mais comunicações deste tipo para os encarregados de educação.
Mas a maior alteração introduzida no regime de faltas, ou pelo menos aquela que parece vir a produzir mudanças mais radicais no funcionamento das escolas, é a previsão de uma “prova de recuperação” para os alunos que atinjam “um número total de faltas correspondente a três semanas no 1.º ciclo do ensino básico, ou ao triplo de tempos lectivos semanais, por disciplina, nos 2.º e 3.º ciclos no ensino básico, no ensino secundário e no ensino recorrente, ou, tratando -se, exclusivamente, de faltas injustificadas, duas semanas no 1.º ciclo do ensino básico ou o dobro de tempos lectivos semanais, por disciplina, nos restantes ciclos”[2]. A realização desta prova é independente da natureza das faltas, ou seja o aluno deverá realizá-la quer falte por motivos de saúde, ou por outro motivo previsto no art.º 19º (justificação de faltas), quer falte sem qualquer justificação.
No anterior estatuto, o aluno que excedesse o limite de faltas, ficava em situação imediata de retenção ou exclusão, só anulável por “decisão em contrário do conselho pedagógico, precedida de parecer do conselho de turma”[3].
A realização desta prova não impedirá ainda aaplicação de medidas correctivas que se julguem adequadas, previstas no art.º 26º.
Não está especificado quem deverá promover a aplicação destas medidas, embora nos pareça lógico que ela deva ser definida em conselhos de turma extraordinários. O novo estatuto permite alguma flexibilidade de interpretação pelo que deverão existir diferentes formas de operacionalização destas, e de outras, medidas. De facto, algumas escolas, poderão optar por não realizar a prova de recuperação aos alunos aos quais sejam definidas medidas correctivas, e que venham a ter uma avaliação positiva nas mesmas (nº2 do art.º 22º). Mais uma vez, a operacionalização desta avaliação poderá ser executada de formas diversas já que não se encontra definida.
O aluno que tenha aproveitamento nesta prova segue o seu percurso escolar normal, independentemente do “que vier a ser decidido pela escola, em termos estritamente administrativos, relativamente ao número de faltas consideradas injustificadas”.
Existem algumas zonas cinzentas que não estão claras, nomeadamente o peso da prova extraordinária na avaliação final do aluno: as opiniões dividem-se aqui, mas se o aluno tiver positiva nas provas, recuperando, e este teste não entrar na nota, como se justifica isto a um aluno que depois reprove na avaliação final?
Também o número máximo de provas a realizar levanta dúvidas: No limite, o aluno pode faltar o ano inteiro e passar o mesmo a realizar provas de recuperação? Quantas vezes se repete este processo? Se o aluno voltar a ultrapassar o número de faltas, faz-se nova prova?
Estas duas situações foram discutidas entre os autores deste trabalho e questionadas a elementos exteriores, sem se conseguir de facto chegar a uma conclusão, pelo que provavelmente serão os Conselhos de Turma a decidir (por vezes até de forma antagónica), como resolver cada um destes casos.
Se o aluno não tiver aproveitamento nesta prova deverá o conselho de turma ponderar – e aqui será necessário marcar uma reunião extraordinária? -, a justificação ou não das faltas dadas e optar por uma das seguintes medidas:
· Definição de um plano de acompanhamento especial com a consequente realização de uma nova prova;
· Retenção do aluno que esteja inserido no âmbito da escolaridade obrigatória ou a frequentar o ensino básico;
Caso o aluno se encontre fora da escolaridade obrigatória, poderá o conselho de turma excluir o aluno da frequência das actividades lectivas da disciplina, ou disciplinas, em que não obteve aprovação na prova referida. Em nenhum dos casos está prevista a exclusão do aluno.
Significativamente, o aluno que não compareça a esta prova de recuperação, ou à prova que decorre do plano de acompanhamento especial, nos casos em que ele venha a ser implementado, poderá justificar esta falta com os mesmos motivos previstos para as faltas às aulas, constantes no art.º 19º deste diploma.
3.2 Comportamento
A outra alteração formal no novo documento respeita à denominação e classificação das diferentes medidas (disciplinares) a aplicar aos alunos que infrinjam alguns dos seus deveres, tanto previstos no Estatuto do Aluno como no Regulamento Interno da Escola.
Assim, comparando os dois diplomas pode-se referir que:
Na Lei nº 30/2002, de 20 de Dezembro – Estatuto do Aluno do Ensino não Superior, todas as medidas são classificadas como disciplinares, mas com finalidades distintas, pelo que, e de acordo com o nº 1 do artigo 24º - Finalidades das medidas disciplinares, as medidas disciplinares prosseguem finalidades pedagógicas e preventivas, enquanto que de acordo com o nº 2 do mesmo artigo, outras prosseguem finalidades sancionatórias.
Em relação ao tipo de medidas disciplinares, e de acordo com as finalidades anteriormente referidas, segundo o nº2 do artigo 26º, as medidas disciplinares preventivas e de integração são as seguintes:
· A advertência;
· A ordem de saída da sala de aula;
· As actividades de integração na escola;
· A transferência de escola.
Quanto às medidas disciplinares sancionatórias e de acordo com o nº 2 do artigo 27º, são as indicadas abaixo:
· A repreensão;
· A repreensão registada;
· A suspensão da escola até 5 dias;
· A suspensão da escola de 6 a 10 dias;
· A expulsão da escola.
Com as alterações introduzidas pela Lei nº 3/2008, de 18 de Janeiro, que passou a denominar-se “Estatuto do Aluno do Ensino Básico e Secundário”, as medidas (disciplinares) passaram a classificar-se em medidas correctivas e medidas disciplinares sancionatórias.
Tais alterações, de acordo com o nº 1 do artigo 24º - Finalidades das medidas correctivas e das disciplinares sancionatórias, implicam que todas as medidas correctivas e medidas disciplinares sancionatórias prosseguem finalidades pedagógicas, preventivas, dissuasoras e de integração. Mas, neste novo diploma, e considerando o exposto no nº 2 do artigo 24º, as medidas disciplinares sancionatórias também têm finalidades punitivas.
Quanto ao tipo de medidas correctivas, estas são caracterizadas de acordo com o nº 1 e 2 do artigo 26º, assumindo estas medidas uma natureza eminentemente cautelar, conforme se descrimina a seguir:
· A ordem de saída de sala de aula e demais locais onde se desenvolva o trabalho escolar;
· A realização de tarefas e actividades de integração escolar, podendo haver um aumento do período de permanência obrigatória, diária ou semanal, do aluno na escola;
· O condicionamento no acesso a espaços ou na utilização de certos materiais e equipamentos;
· A mudança de turma.
Quanto às medidas disciplinares sancionatórias, traduzem uma censura disciplinar do comportamento assumido pelo aluno, considerando-se os seguintes tipos:
· A repreensão registada;
· A suspensão da escola até 10 dias;
· A transferência de escola.
A nível da competência e da tramitação do procedimento disciplinar instaurado ao aluno, constatam-se duas alterações significativas que poderão eventualmente, ao invés de simplificarem e tornarem mais célere o processo, conforme suposto, torná-lo mais complexo e suscitar inúmeras dúvidas nos primeiros tempos da sua vigência:
Assim, no anterior Estatuto, os órgãos da escola tinham competência para aplicar todas as medidas disciplinares:
a) O Professor podia aplicar as medidas disciplinares de advertência, ordem de saída da sala de aula, repreensão (oral), e repreensão registada;
b) O Director de Turma ou Professor Titular da turma (1º ciclo do ensino básico) podia aplicar as medidas de advertência, repreensão (oral), e repreensão registada;
c) O Presidente do Conselho Executivo ou o Director da Escola tinha competência para aplicar as medidas de advertência, repreensão e repreensão registada e suspensão da escola até cinco dias úteis;
O Conselho de Turma disciplinar tinha competência para aplicar as medidas de advertência, repreensão e repreensão registada, execução de actividades de integração na escola, suspensão da escola, transferência de escola e expulsão da escola.
O Director Regional de Educação intervinha apenas nos casos de aplicação das medidas de transferência e de expulsão da escola, nos termos previstos no art. 42º do Estatuto.
No novo Estatuto, a aplicação das medidas disciplinares sancionatórias de Transferência de Escola (embora a instauração do respectivo procedimento disciplinar continue a ser do Presidente do Conselho Executivo ou do Director), passa a ser da competência do Director Regional de Educação respectivo (art. 43º). Ou seja, há um retirar de competências aos órgãos da escola, centralizando-se a decisão da aplicação ou não de tais medidas, o que parece traduzir alguma desconfiança em relação à capacidade de discernimento, justiça e adequação na aplicação de medidas concretas por parte de quem tem, precisamente, maior conhecimento dos problemas que terão originado o procedimento e as necessidades do estabelecimento e dos actores que nele actuam.
Ao invés de se reforçar a autoridade da Escola e seus órgãos, retira-se-lhe esse poder de decisão, o que é contraditório com os objectivos e princípios delineados na proposta de alteração da lei.
Quanto à dependência e tramitação do procedimento disciplinar:
a) No anterior Estatuto, apenas obrigam à instauração de procedimento disciplinar a aplicação das medidas de actividades de integração na escola, de transferência de escola, de suspensão de escola de 6 a 10 dias úteis e de expulsão da escola (art. 43º); isto é, na prática, o Presidente do Conselho Executivo, mediante apuramento sumário das responsabilidades, pode aplicar a discente infractor, até à medida de suspensão da escola até 5 dias úteis;
No novo Estatuto, ao não se diferenciar dois períodos (até 5 dias e de 6 a 10 dias) de suspensão da escola, torna-se obrigatória a instauração de procedimento disciplinar mesmo que à infracção praticada seja aplicável a medida de um dia de suspensão. Tal consubstancia uma maior complexidade e uma morosidade desnecessárias, que não se coadunam com a celeridade que o Governo pretendia imprimir a todo o processo.
b) Por outro lado, até agora, a tramitação do procedimento disciplinar era igual para a determinação da aplicação de qualquer das medidas disciplinares (nomeação de instrutor no prazo de um dia útil após participação ao Conselho Executivo da infracção; cinco dias úteis para conclusão da instrução e apresentação de relatório fundamentado pelo instrutor – o que, refira-se em abono da verdade, se afigura muitas vezes demasiado curto para realização de todas as diligências consentâneas com a descoberta da verdade objectiva dos factos, tais como inquirição do participante e do participado (obrigatória, salvo caso de força maior), recolha de depoimento de testemunhas, com a necessidade de aplicação dos prazos previstos no art. 102º do Código Procedimento. Administrativo e nº 2 do art. 46º do Estatuto, e quando o instrutor é um docente que, apesar do preceituado no nº 5 do art. 46º, acaba por nunca ficar isento dos seus outros deveres -; aplicação de medida disciplinar pelo presidente do conselho executivo ou convocatória do conselho de turma disciplinar para tomada de decisão no prazo de cinco dias (artigos. 46º e 48º do anterior estatuto).
No novo Estatuto parecem surgir duas tramitações para o procedimento disciplinar:
· Uma, praticamente igual à existente, tendente à eventual aplicação de todas as medidas disciplinares sancionatórias, com excepção da medida de transferência de escola (artigos 46º e 48º);
· Uma outra, tendente à aplicação das medidas de transferência da escola, delineada no art. 43º.
E porque se alega que esta última tramitação está incorrectamente delineada e reveste-se de maior burocracia?
No nº 3 do art. 43º, estipula-se que o processo é instruído e remetido para apreciação e decisão do Director Regional de Educação no prazo de 8 dias úteis, após a nomeação do instrutor;
Porém, nesse prazo, deve o Instrutor proceder a todas as diligências instrutórias (notificação da instauração do procedimento ao infractor e seu encarregado de educação, quando aquele seja menor; inquirição obrigatória do participado; inquirição do participante; inquirição de testemunhas oferecidas pelo participante ou cujo depoimento o instrutor considere pertinente face ao teor da participação; elaboração de acusação; notificação da mesma ao aluno participado e/ou encarregado de educação; decurso do prazo de dois dias úteis para o participado apresentar, querendo, defesa escrita, juntando prova documental e/ou testemunhal; inquirição das testemunhas de defesa, novamente respeitando os prazos do Código do Procedimento Administrativo; elaboração de relatório final fundamentado, com proposta de aplicação de medida disciplinar sancionatória ou de arquivamento do processo; convocatória do Conselho de Turma Disciplinar no caso da medida disciplinar sancionatória for a da transferência de escola.
3.3 Grupos Minoritários
Para além da análise geral às mudanças verificadas em termos de assiduidade e disciplina, este trabalho teve desde a sua concepção, o objectivo de identificar as alterações relacionadas com outras áreas julgadas fundamentais na Escola actual, nomeadamente os aspectos relacionados com os grupos sociais mais necessitados de medidas de protecção extraordinárias, como são os Alunos Deficientes e os Alunos Imigrantes. Julgou-se assim conveniente fazer a ligação entre o novo Estatuto do Aluno dos Ensinos Básico e Secundário e a especificidade dos direitos daqueles alunos.
Quanto aos alunos portadores de deficiência, apenas no seu artigo 2º o Estatuto refere que deve ser promovida a integração dos alunos na comunidade educativa, conforme os princípios gerais da Lei de Bases do Sistema Educativo – Lei nº 46/86, de 14 de Outubro, nomeadamente nos seus artigos 2º e 3º.
Estes artigos referem que todos os portugueses têm direito à educação e à cultura, nos termos da Constituição da República e que é da responsabilidade do Estado promover a democratização do ensino, garantindo o direito a uma justa e efectiva igualdade de oportunidades no acesso e no sucesso escolares. No acesso à educação e na sua prática, é garantido a todos os portugueses o respeito pelo princípio da liberdade de aprender e de ensinar, com tolerância para com as escolhas possíveis.
É referido ainda que o sistema educativo deve organizar-se de forma a :
Contribuir para a realização do educando, através do pleno desenvolvimento da personalidade, da formação do carácter e da cidadania, preparando-o para uma reflexão consciente sobre os valores espirituais, estéticos, morais e cívicos e proporcionando-lhe um equilibrado desenvolvimento físico.
Assegurar a formação cívica e moral dos jovens.
Assegurar o direito à diferença, mercê do respeito pelas personalidades e pelos projectos individuais da existência, bem como da consideração e valorização dos diferentes saberes e culturas.
Destas considerações expostas podemos dizer que em relação aos Alunos portadores de deficiência, nada é referido em particular no Estatuto, sendo que os seus direitos serão assegurados através de legislação especial, consubstanciada no Decreto-Lei nº 3/2008, de 7 de Janeiro, que veio substituir o anterior Decreto-Lei nº 319/91, de 23 de Agosto. O artigo 2º - Princípios orientadores, do Decreto-Lei nº3/2008, vai ao encontro do estipulado no artigo 2º do Estatuto do Aluno dos Ensinos Básico e Secundário e nos artigos 2º e 3º da Lei de Bases do Sistema Educativo.
Quanto aos Alunos Imigrantes, pelas razões expostas referentes aos Alunos Deficientes, quer através do artigo 2º do Estatuto, quer dos artigos 2º e 3º da Lei de Bases do Sistema Educativo, também nada é referido quanto a estes alunos, sendo que os seus direitos são também assegurados por legislação especial através dos números 31 a 46 da Resolução do Conselho de Ministros nº 63-A/2007, de 8 de Março, que para a área da Educação estabelece as regras do Plano para a Integração dos Imigrantes.
[1] nº 2 do art.º21º da Lei 30/2002 de 20 de Dezembro
[2] nº 2 do art.º 22º, Lei 30/2002 de 20 de Dezembro
[3] art.º 22º, Lei 30/2002 de 20 de Dezembro
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