domingo, 13 de abril de 2008

1. Introdução

O Estatuto do Aluno é o diploma que define os direitos e deveres dos alunos, bem como as medidas correctivas e as medidas disciplinares sancionatórias a que estão sujeitos.
O conhecimento do Estatuto do Aluno é uma ferramenta fundamental para melhorar a interacção entre alunos e professores, quer dentro da sala de aula, quer fora dela.
No entanto, tanto os alunos como os professores, para além dos restantes intervenientes na comunidade escolar, desconhecem generalizadamente este documento.
A propósito da entrada em vigor do novo Estatuto do Aluno, a opinião pública apenas ouviu falar em opiniões avulsas, provenientes habitualmente da classe político-sindical, com críticas efectuadas em "polítiquês" a determinados artigos pontuais (onde pontifica o já célebre 22º), e não se verificando de facto o debate em termos pedagógicos, científicos e sociais que realmente se impunha.
Propõe-se assim neste trabalho a análise da influência das recentes alterações do Estatuto do Aluno na relação aluno-professor, com especial incidência em três aspectos-chave:
· O controlo do comportamento na sala de aula.
· A prevenção do abandono escolar.
· A integração de grupos minoritários como os imigrantes e os deficientes.
É sintomático que aquando da pesquisa inicial de fontes, se encontraram muito mais opiniões políticas crivadas de chavões, do que o texto da própria proposta de alterações, sendo praticamente inexistentes as análises técnico-sociais, nomeadamente os contributos realizados pela classe docente.
Estando os autores deste estudo conscientes das suas limitações em termos de bases teóricas de psicologia e sociologia, procurou-se enfatizar as experiências práticas na vida escolar, analisando o documento em questão numa perspectiva conjunta de tratamento social e pedagógico.
Assim, a estrutura deste trabalho inicia-se com uma apresentação do que é o Estatuto do Aluno e da metodologia seguida neste trabalho, seguindo-se uma selecção de opiniões e interpretações do seu significado (a totalidade dos contributos recolhidos podem ser vistos em anexo).
Com efeito, julgou-se adequado a existência de um preâmbulo às conclusões dos autores, que permitisse que antes destes fornecerem a sua visão sobre as mudanças decretadas e implícitas no novo Estatuto, se pudesse observar algumas opiniões externas publicadas, dada a sua significância, bem como as respostas a algumas questões inquiridas junto de agentes do processo.
Decidiu-se, desde a concepção deste trabalho, que um dos meios de aferição auxiliar a utilizar pelos autores como forma de avaliar as opiniões e o grau de conhecimento dos elementos da comunidade escolar, ou nela tendo influência, seria a realização de um inquérito, que sem ser exaustivo, pretendia recolher opiniões dos vários grupos interessados na alteração do Estatuto do Aluno, desde os professores aos alunos, passando por pais, autarcas, jornalistas, responsáveis políticos, associações de emigrantes e deficientes, entre outros.
Contudo, o grau de desconhecimento do Estatuto foi superior ao esperado, havendo mesmo várias das entidades contactadas que pura e simplesmente não deram qualquer resposta. Apesar disso, os inquéritos recolhidos apresentam um conjunto variado de sugestões e opiniões que se revelaram contributos preciosos, como se verá adiante.
Após a apresentação destas perspectivas sobre as alterações ao Estatuto do Aluno, compara-se o novo articulado com o antigo, incidindo-se especialmente, tal como referido acima, nalguns aspectos considerados fundamentais pelos autores deste trabalho: Comportamento, Abandono Escolar e Grupos Minoritários (Deficientes e Imigrantes).
Feita a análise geral, as conclusões são apresentadas na última parte deste documento, sobre a forma de contributos para o debate que actualmente se verifica entre a comunidade escolar, numa perspectiva de esclarecimento e de continuidade.
Como forma de tornar este trabalho num ponto de partida e não no encerrar dum capítulo, os autores criaram um blog, onde para além de publicação deste trabalho, se espera criar um fórum de troca de ideias e de clarificação destas matérias.









2. Recolha de opiniões

Pretende-se neste ponto apresentar um conjunto de opiniões, quer recolhidas pelos autores junto de grupos representativos, quer publicadas por individualidades ou entidades relevantes, como forma de exemplificar as correntes de pensamento actuais sobre o Estatuto do Aluno.
Agruparam-se as participações por classes (professores, alunos, pais, outros grupos profissionais, etc.), segundo uma divisão em dois blocos principais, conforme se tratassem de membros da comunidade escolar ou não.
As opiniões recolhidas, são aqui comentadas em bloco, estando os inquéritos originais disponíveis em anexo.
Os artigos de opinião, também disponíveis na íntegra em anexo, foram escolhidos para ilustrar o nível do debate, duríssimo, surgindo aqui em versões condensadas pelos autores deste trabalho, que, sem partilharem necessariamente das opiniões dos articulistas, procuram indicar os pontos mais relevantes do seu texto.

2.1.Comunidade Escolar

2.1.1 Opinião dos professores
Foram consultados professores de diferentes escolas e grupos lectivos, verificando-se que, se alguns professores desconhecem o conteúdo específico do estatuto do aluno, a grande maioria sabe que nele se encontram os direitos e deveres dos mesmos, e as sanções a que estão sujeitos em caso de incumprimento.
A generalidade dos docentes está a par de algumas das alterações implementadas, considerando-se como mais significativas as relacionadas com a assiduidade e as consequências que podem determinar a elaboração de exames de recuperação.
Entre as afirmações feitas, é transversal a ideia de que existirão sempre alunos que revelam falta de assiduidade, quer justificada, quer injustificada, logo tais alterações, traduzir-se-ão num enorme acréscimo de trabalho, tanto maior, quanto maior for o numero de turmas de cada professor, dada necessidade de realizar mais Conselhos de Turma e provas de recuperação.
Uma docente faz um comentário curioso quando afirma: “Terei que fazer mais provas sem qualquer fundamento, pois se for sobre a matéria em que o aluno faltou, dificilmente passará, pois o aluno não assistiu às aulas, se for sobre os outros conteúdos, já foi avaliado, pelo que não se justifica nova avaliação”.
A opinião é quase unânime quando questionados em relação ao que consideram que deveria estar contemplado no estatuto do aluno. A resposta é simples: Um conjunto de deveres dos Encarregados de Educação, com penalizações claras e objectivas, no caso de não cumprimento.
Tal como desde há muito acontece, estas respostas revelam o tradicional fosso entre encarregados de educação e professores, que se olham muitas vezes com mútua desconfiança, responsabilizando o “outro grupo” pelos maus resultados dos alunos, ao invés de trabalharem juntos numa relação colaborativa em que todos ganhariam.
Destaca-se aqui um caso particular pela sua experiência específica: Nos últimos anos, Margarida Baptista, advogada e professora tem sido chamada sistematicamente a desempenhar as funções de instrutor em procedimentos disciplinares contra alunos – no presente ano lectivo, foram seis em sete procedimentos disciplinares que teve a seu cargo –.
Ora, segundo ela, a proposta governamental apresentada como novo estatuto do aluno dos ensinos básico e secundário “não consubstancia medidas dignas e adequadas aos desideratos anunciados, nomeadamente nos mass media, desideratos esses destinados, pelos vistos, e apenas, a agradar ao cidadão português que não conhece a realidade diária vivida nos nossos estabelecimentos de ensino e educação”.

2.1.2. Opinião dos alunos
A opinião dos alunos é algo complexa. Embora um grande número de alunos tenha noção do que é o estatuto do aluno, ou seja, que nele estão contemplados os seus direitos e deveres, bem como as “punições” para aqueles que não cumprirem os deveres, a maioria não faz ideia do que se trata
Sintomaticamente, quando contactados para a realização dos inquéritos, muitos revelaram ser “contra”! Contra o quê, não sabem, mas são contra…
Quanto ao conteúdo, propriamente dito, os alunos desconhecem-no, seja o antigo ou o novo. Porém, possivelmente devido a toda a publicidade e polémica levantada no final do 2º Período Lectivo com o “Caso do Telemóvel”[1], alguns alunos têm noção de parte das alterações implementadas no novo estatuto do aluno, considerando-as exageradas e demasiado rígidas.
Curiosamente, os poucos alunos que conhecem as alterações do regime de faltas, são da opinião que o novo estatuto do aluno não resolve os problemas, mas pelo contrário, prejudica os alunos e os professores.
Quando inquiridos em relação ao que, na sua opinião, deveria ser contemplado, os alunos são incapazes de dar uma resposta coerente, limitando-se muitas das vezes a dizer que devia de deixar de existir, ou seja a chamada “não-solução”.
Particularmente preocupante foi a reacção dos dois elementos da Associação de Estudantes contactados, em duas escolas diferentes, afirmando um desconhecer totalmente este assunto e recusando-se assim a responder, enquanto o outro revelava o uma ignorância praticamente geral, surgindo como sua única preocupação as cargas horárias dos alunos…

2.1.3. Encarregados de Educação
Foram realizados contactos com os representantes de duas “Associações de Pais” no sentido de responder ao inquérito proposto, mas os dois elementos inquiridos foram assustadoramente reveladores da situação actual: Um não quis responder, por desconhecer o Estatuto e o outro, aceitando participar, respondeu “Não sei” a todas as questões!
Num assunto de capital importância para os alunos, a falta de interesse dos encarregados de educação – tratando-se neste caso de elementos mais participativos e informados do que a média –, espelha bem o desconhecimento que grassa sobre o que realmente diz o Estatuto do Aluno.

2.1.4. Ministério da Educação
Os autores contactaram o Ministério no sentido de obter a opinião dos autores do Estatuto do Aluno, de forma a melhor explicar os seus objectivos, mas não foi possível conseguir a sua resposta (veja-se Fax em Anexo).
Contudo, para não se perder a perspectiva da posição dos autores das alterações à Lei anterior, os autores recorreram a uma publicação que retrata a posição do Ministério da Educação.
Na publicação “O Boletim dos Professores” do mês de Abril de 2008 (número 10), o Ministério da Educação reafirma alguns aspectos que tem vindo a difundir na comunicação social. Estes aspectos focam sobretudo a ideia que as alterações ao Estatuto do Aluno têm como objectivos:
· O reforço da autoridade do professor e a autonomia das escolas;
· Uma maior responsabilização dos Encarregados de Educação no controlo da assiduidade dos alunos;
· A simplificação e agilização de procedimentos a adoptar;
· A distinção das medidas correctivas (dissuasoras, preventivas e pedagógicas ou sancionatórias).
De acordo com a publicação, as escolas passam a ter maior poder de decisão no que diz respeito às medidas a aplicar aos alunos, salvaguardando a medida de transferência de escola que é da competência das direcções regionais de educação.
No âmbito da questão da assiduidade, haverá lugar a uma maior frequência da informação disponibilizada aos Encarregados de Educação, sendo obrigatória a tomada de medidas correctivas no caso das faltas serem injustificadas. No que se refere à instituição de uma prova de recuperação a aplicar aos alunos que revelem uma falta de assiduidade justificada ou injustificada, o Ministério da Educação relembra que o Conselho Pedagógico das escolas poderá de uma forma autónoma estipular as condições de realização da prova.
Há ainda a referir que, de acordo com a Tutela, os procedimentos relativos à aplicação das medidas educativas de carácter preventivo e sancionatório, foram agilizados e simplificados através da eliminação de determinadas estruturas educativas nas tomadas de decisões.


2.1.5. Artigo de Opinião[2] do Professor José Matias Alves
José Matias Alves, professor, investigador, Mestre em Administração Escolar e Doutorado em políticas educativas e administração educacional foi uma das vozes que se pronunciou sobre esta reforma.
Segundo ele, o novo estatuto do aluno (nomeadamente a matéria referente às faltas ilimitadas e consequente remédio), baseia-se numa boa intenção (apelidada como generosa pelo novamente presidente da CONFAP – Confederação Nacional das Associações de Pais, Albino Almeida), mas que está longe de poder ter ancoragem na realidade e parte de um “pressuposto falacioso que tem sido reiteradamente denunciado”.
E continua: “De facto, admitir que um aluno pode faltar ilimitadamente sem precisar sequer de justificar as faltas e decretar que essa falta (educacionalmente grave) possa ser suprida com a realização de um exame (que os professores terão de elaborar e corrigir) é incorrer num duplo erro: o incumprimento do dever de assiduidade deve ser objecto de uma pena a aplicar ao aluno e ao seu encarregado de educação, não podendo a escola e os professores assumir as consequências da prevaricação dos outros; segundo, o exame é uma solução paradoxal que pouco ou nada tem a ver com a natureza da falta”.
Ainda segundo José Matias Alves, a “solução ‘generosa’ parte ainda de uma falácia que está a corroer a escola pública. É certo que esta escola tem de estar aberta a todos os cidadãos (ao contrário de grande parte das escolas privadas que escolhem os seus alunos…). Mas a escola pública não pode tudo. Não pode, por exemplo, ensinar quem reiteradamente, não quer aprender (mesmo no quadro da diversificação da oferta curricular). Quem sistematicamente falta e nem sequer justifica a sua ausência. Não pode ser tudo: escola, lugar de convívio, família, clube, sociedade; e o professor não pode ser ao mesmo tempo professor, pai, mãe, irmão, amigo, companheiro… Porque deste modo não pode cumprir a sua missão essencial que é ensinar conceitos, factos, teorias, competências indispensáveis para ser e estar no mundo.
Para quem não quer aprender tem de haver outras soluções para além da escola. Tem de haver outras instâncias e outros responsáveis. Sob pena de começarmos a enterrar definitivamente a escola pública”.

2.2.Opiniões Externas à Comunidade Escolar

2.2.1. Autarquias
Dado o crescente envolvimento entre escolas e autarquias, contactaram-se dois representantes do poder local (Juntas de Freguesia), no sentido de responder ao inquérito elaborado, tendo um deles declinado e o outro aceite responder.
O autarca que respondeu, estando próximo da comunidade educativa, conhecia minimamente o Estatuto do Aluno, embora apenas por opiniões exteriores, não o tendo lido.
Entre as respostas que forneceu, surgiu a interessante sugestão de se criar uma maior responsabilização dos os Encarregados de Educação na frequência às aulas dos seus educandos, com medidas penalizadoras (no IRS, por exemplo).

2.2.2. Comunicação Social
Sendo a Comunicação Social um dos vectores que mais tem contribuído para a discussão em torno do Estatuto do Aluno, embora por vezes com um reduzido conhecimento deste documento, pretendeu-se saber junto de uma jornalista até que ponto sabia o que estava em causa.
Embora tivesse confessado nunca o ter lido, por não ser a sua área de interesse directa, tinha algum conhecimento sobre o assunto, não enquanto profissional, mas como mãe.


2.2.3. Associações de Deficientes e de Imigrantes

Como forma de informação adicional, tentou-se contactar associações que representassem os grupos específicos referidos no primeiro capítulo, no sentido de obter a sua opinião sobre até que ponto as alterações ao Estatuto do Aluno afectavam os seus associados mais jovens, mas nenhuma mostrou disponibilidade para colaborar, eventualmente por desconhecimento do tema.

2.2.4 Alice Vieira
Sendo Alice Vieira um nome incontornável das letras nacionais, julgou-se adequado reproduzir um texto[3] desta escritora e professora sobre a temática do Estatuto do Aluno:

“Não é um ‘novo estatuto do aluno’, que em pouco ou nada difere do antigo, que vai mudar a situação a que se chegou nas escolas portuguesas.
Só quem não tem entrado numa escola nestes últimos anos, só quem não contacta com gente desta idade, só quem não anda nas ruas nem nos transportes públicos, só quem nunca viu os ‘Morangos com açúcar’, só quem tem andado completamente cego (e surdo) de todo é que pode ter ficado surpreendido com os casos de indisciplina e mesmo de violência que se vivem nas nossas escolas.
Se fossem casos isolados de um ou outro aluno que tivesse ultrapassado todos os limites e agredido um professor pelo mais fútil dos motivos - bem estaríamos nós! Haveria um culpado, haveria um castigo, e o caso arrumava-se.
Mas casos destes existem pelas escolas do país inteiro. (Só mesmo a Sr.ª Ministra - que não entra numa escola sem avisar…- é que tem coragem de afirmar que não existe violência nas escolas…).
E o pior é que não tem apenas a ver com um aluno, ou com um professor, ou com uma escola, ou com um estrato social. Tem a ver com qualquer coisa de muito mais profundo e muito mais assustador.
Tem a ver com a espécie de geração que estamos a criar.
Há anos que as nossas crianças não são educadas por pessoas.
Há anos que as nossas crianças são educadas por ecrãs.
E o vidro não cria empatia. A empatia só se cria se, diante dos nossos olhos, se tivermos outros olhos, se tivermos um rosto humano.
E por isso as nossas crianças crescem sem emoções, crescem frias por dentro, sem olhar para os outros que as rodeiam.
Durante anos, foram criadas na ilusão de que tudo lhes era permitido.
Durante anos, foram criadas na ilusão de que a vida era uma longa avenida de prazer, sem regras, sem leis, e que nada, absolutamente nada, dava trabalho.
E durante anos os pais e os professores foram deixando que isto acontecesse.
A aluna que agrediu a professora no infeliz episódio visto vezes sem conta nos noticiários deste país (e onde estavam as auxiliares-não-sei-de-quê, que dantes se chamavam contínuas, que não deram por aquela barulheira e nem sequer se lembraram de abrir a porta da sala para ver o que se passava?) é a mesma que empurra um velho no autocarro, ou o insulta com palavrões de carroceiro (que me perdoem os carroceiros), ou espeta um gelado na cara de uma (outra) professora, e muitas outras coisas igualmente verdadeiras que se passam todos os dias.
A escola, hoje, serve para tudo menos para estudar.
A casa, hoje, serve para tudo menos para dar (as mínimas) noções de comportamento.
E eles vão continuando a viver, desumanizados, diante de um ecrã.
E nós deixamos.”

2.2.5. Opinião de António Barreto
António Barreto, num artigo recente[4], refere-se irónicamente ao Estatuto do Aluno como “a obra-prima do esforço legislativo nacional”. Para ele, a nova versão não é mais do que uma correcção do antigo diploma da mesma natureza, tratando-se, diz, de uma espécie de carta constitucional de direitos e deveres, a que não falta um regulamento disciplinar.
Para António Barreto, o novo articulado é apenas “mais um produto da enxurrada permanente de leis, normas e regras que se abate sobre as escolas e a sociedade.” Define-o como um dos “mais monstruosos documentos jamais produzidos pela administração pública portuguesa”, que considera, “mal escrito, por vezes mesmo incompreensível, repetitivo e com afirmações absolutamente disparatadas”.
Entre os exemplos que dá dos defeitos apontados, cita a frase “a assiduidade (...) implica uma atitude de empenho intelectual e comportamental adequada”.
Acusa-o ainda de criar “deveres inéditos aos alunos, entre eles o de conhecer e cumprir este ‘estatuto do aluno’(...)!”
Quanto aos direitos dos alunos, “são os mais abrangentes e absurdos que se possa imaginar”, diz.
Nas suas palvras o novo estatuto do aluno “trata-se de um estatuto burocrático, processual e confuso. O regime de faltas, é infernal”, sendo impossível de “perceber e de aplicar”. Entre os aspectos que o indignam, está o facto das “faltas justificadas poderem passar a injustificadas e vice-versa, mas todas possíveis de recuperar com uma prova!”
Acusa as decisões disciplinares de serem longas, morosas e processualmente complicadas, verdadeiros dissuasores de todo o esforço disciplinar, podendo sempre ser alteradas pelos sistemas de recurso ou no vaivém entre instâncias escolares.
Segundo António Barreto, os autores deste estatuto revelam uma total e absoluta ignorância do que se passa nas escolas, e mesmo do que são as escolas: “Oscilando entre a burocracia, a teoria integradora das ciências de educação, a ideia de que existe uma democracia na sala de aula e a convicção de que a disciplina é um mal”.
Lapidarmente, indica que “não é que o estatuto seja a causa dos males educativos, até porque nem sequer está em vigor na maioria das escolas”, mas será, no futuro, “o responsável pela impossibilidade de administrar a disciplina nas escolas. O novo estatuto não retira a autoridade às escolas, nomeadamente aos professores e directores de turma, apenas confirma o facto de já não a terem e dificilmente a virem a recuperar”.
Enfim, na sua leitura, a sanção da indisciplina é de tal modo complexa que deixará simplesmente de haver disciplina ou sanção terminando com o seguinte parágrafo:
“Se for lido com atenção, este estatuto revela que a sua principal inspiração é a desconfiança dos professores. Quem fez este estatuto tinha uma única ideia na cabeça: é preciso defender os alunos dos professores que os podem agredir e oprimir. Mesmo que nada resolva, a sua revogação é um gesto de saúde mental pública”.

2.2.6. A Opinião de João Lobo Antunes – “O Estatuto do Aluno é alucinante”
Em entrevista[5] à revista “Visão”, João Lobo Antunes, Neurocirurgião, afirma ter uma nostalgia dos seus tempos de liceu e uma grata recordação dos professores.
Com 63 anos de idade, o seu currículo conta com a autoria de mais de 150 trabalhos científicos, quatro livros de ensaios e um Prémio Pessoa, entre outros feitos profissionais.
No que diz respeito à presente polémica, é da opinião que existe uma grande perplexidade por parte dos próprios professores, dos pais e mesmo por parte dos próprios alunos.
Segundo o mesmo, está a perder-se tempo – que não é tempo real, mas sim “anos luz” – em termos de procura de soluções, para a doença crónica que aflige a nossa Educação. É no ensino que se molda, em grande parte, aquilo que os rapazes e raparigas vêm a ser no exercício da cidadania, nas qualidades de trabalho, de exigência e de disciplina.
No liceu que frequentou – Liceu Camões – foi sujeito a uma disciplina férrea hoje difícil de manter e de aceitar, no entanto, foi assim que ganhou os valores que hoje lhe dão consistência como pessoa e cidadão.
Quando questionado acerca do novo Estatuto do Aluno, a sua resposta é clara:
- “É alucinante. Não só pela linguagem utilizada e parágrafos intermináveis, mas porque continua a ilusão de que se fizermos decretos, portarias e leis para regular as instituições, elas vão passar a funcionar bem. A necessidade de pôr por escrito as obrigações e os deveres dos alunos leva-me a interrogar se quem o fez percebe a essência da Educação”.Quanto á dita perda de respeito aos professores por parte dos alunos, não concorda e acha difícil do ponto de vista sociológico. Considera sim, que houve uma maturação biológica a que não correspondeu um afinamento de certas regras de
[1] http://www.youtube.com/watch?v=0jhu64CtNKE
[2] Correio da Educação, nº 312 de 5 de Novembro de 2007
[3] “Jornal de Notícias”, 30 de Março de2008
[4] “Retrato da Semana” – Jornal “Público” de 30 de Março de 2008

[5] Revista “Visão” - número 786 de 27 de Março de 2008

3. Leitura comparada dos estatutos

Afinal o que mudou? Se tantos falam das alterações, mas tão poucos as parecem conhecer, é imperioso a existência de comparações objectivas, realizadas numa perspectiva de docência.
Neste ponto, abordam-se, através duma subdivisão em Assiduidade, Comportamento e Grupos Minoritários, as principais alterações registadas:


3.1 Faltas

Com a Proposta de Lei nº 140/X o actual governo definiu as bases e enunciou os objectivos para a alteração do anterior “Estatuto do aluno” (Lei nº 30/2002, de 20 de Dezembro) e que conduziriam à aprovação do novo diploma (Lei 3/2008 de 18 de Janeiro).
O novo estatuto prevê algumas alterações pontuais: a introdução da expressão “formação cívica” no art.º 2º; acrescenta-se o “estatuto do aluno” como documento que os alunos têm o dever de conhecer, alínea k do n.º2 do art.º 6º; e previsão de técnicos de psicologia e orientação na elaboração de planos de acompanhamento para os alunos, bem como na identificação e prevenção de situações problemáticas.
Mas as grandes alterações introduzidas pelo novo diploma são muito mais significativas em duas áreas: o regime de faltas e os procedimentos disciplinares.
Relativamente ao primeiro muda desde logo a definição de “falta”. No anterior estatuto as faltas justificadas eram consideradas como se praticamente nunca tivessem existido, no novo, foi revogado o art.º 20º, que estabelecia a definição de “falta injustificada” e, em termos práticos, as diferenças entre faltas justificadas e injustificadas deixou de existir. A única excepção a isto é a situação prevista no nº2 do art.º 22 em que há uma diferença prática entre faltas justificadas e injustificadas, mas ainda assim é uma diferença pouco significativa e será abordada mais á frente.
Parece um pouco contraditório que desapareça a definição de falta injustificada (art.º 20º), quando estas aparecem referidas no art.º 22º e se mantem o art.º 19 que discrimina os motivos previstos para a sua justificação.
Nos pedidos de justificação de faltas, passa a estar prevista a caderneta do aluno, como via de comunicação entre encarregado de educação e director de turma.
Os limites de faltas que o aluno poderá dar mantêm-se em três vezes o número de aulas semanais em cada disciplina. No entanto, no antigo estatuto, só eram contabilizadas as faltas injustificadas, no novo serão todas pelo que os alunos atingirão muito mais facilmente esse limite.
Existe também uma diferença na obrigatoriedade de informar os encarregados de educação sobre as faltas dos seus educandos. No regime anterior, o director de turma ou professor titular, deverá informar o encarregado de educação quando o seu educando atingir “metade do limite de faltas injustificadas”[1], no novo apenas deverão ser informados quando atingidas as faltam correspondentes a duas vezes o número de aulas semanais. Por um lado o aluno terá de faltar mais vezes para que os pais sejam informados, mas tendo em conta o facto de, no novo estatuto, serem contabilizadas também as faltas justificadas, na prática parece-nos bastante provável que passe a haver mais comunicações deste tipo para os encarregados de educação.
Mas a maior alteração introduzida no regime de faltas, ou pelo menos aquela que parece vir a produzir mudanças mais radicais no funcionamento das escolas, é a previsão de uma “prova de recuperação” para os alunos que atinjam “um número total de faltas correspondente a três semanas no 1.º ciclo do ensino básico, ou ao triplo de tempos lectivos semanais, por disciplina, nos 2.º e 3.º ciclos no ensino básico, no ensino secundário e no ensino recorrente, ou, tratando -se, exclusivamente, de faltas injustificadas, duas semanas no 1.º ciclo do ensino básico ou o dobro de tempos lectivos semanais, por disciplina, nos restantes ciclos”[2]. A realização desta prova é independente da natureza das faltas, ou seja o aluno deverá realizá-la quer falte por motivos de saúde, ou por outro motivo previsto no art.º 19º (justificação de faltas), quer falte sem qualquer justificação.
No anterior estatuto, o aluno que excedesse o limite de faltas, ficava em situação imediata de retenção ou exclusão, só anulável por “decisão em contrário do conselho pedagógico, precedida de parecer do conselho de turma”[3].
A realização desta prova não impedirá ainda aaplicação de medidas correctivas que se julguem adequadas, previstas no art.º 26º.
Não está especificado quem deverá promover a aplicação destas medidas, embora nos pareça lógico que ela deva ser definida em conselhos de turma extraordinários. O novo estatuto permite alguma flexibilidade de interpretação pelo que deverão existir diferentes formas de operacionalização destas, e de outras, medidas. De facto, algumas escolas, poderão optar por não realizar a prova de recuperação aos alunos aos quais sejam definidas medidas correctivas, e que venham a ter uma avaliação positiva nas mesmas (nº2 do art.º 22º). Mais uma vez, a operacionalização desta avaliação poderá ser executada de formas diversas já que não se encontra definida.
O aluno que tenha aproveitamento nesta prova segue o seu percurso escolar normal, independentemente do “que vier a ser decidido pela escola, em termos estritamente administrativos, relativamente ao número de faltas consideradas injustificadas”.
Existem algumas zonas cinzentas que não estão claras, nomeadamente o peso da prova extraordinária na avaliação final do aluno: as opiniões dividem-se aqui, mas se o aluno tiver positiva nas provas, recuperando, e este teste não entrar na nota, como se justifica isto a um aluno que depois reprove na avaliação final?
Também o número máximo de provas a realizar levanta dúvidas: No limite, o aluno pode faltar o ano inteiro e passar o mesmo a realizar provas de recuperação? Quantas vezes se repete este processo? Se o aluno voltar a ultrapassar o número de faltas, faz-se nova prova?
Estas duas situações foram discutidas entre os autores deste trabalho e questionadas a elementos exteriores, sem se conseguir de facto chegar a uma conclusão, pelo que provavelmente serão os Conselhos de Turma a decidir (por vezes até de forma antagónica), como resolver cada um destes casos.
Se o aluno não tiver aproveitamento nesta prova deverá o conselho de turma ponderar – e aqui será necessário marcar uma reunião extraordinária? -, a justificação ou não das faltas dadas e optar por uma das seguintes medidas:
· Definição de um plano de acompanhamento especial com a consequente realização de uma nova prova;
· Retenção do aluno que esteja inserido no âmbito da escolaridade obrigatória ou a frequentar o ensino básico;
Caso o aluno se encontre fora da escolaridade obrigatória, poderá o conselho de turma excluir o aluno da frequência das actividades lectivas da disciplina, ou disciplinas, em que não obteve aprovação na prova referida. Em nenhum dos casos está prevista a exclusão do aluno.
Significativamente, o aluno que não compareça a esta prova de recuperação, ou à prova que decorre do plano de acompanhamento especial, nos casos em que ele venha a ser implementado, poderá justificar esta falta com os mesmos motivos previstos para as faltas às aulas, constantes no art.º 19º deste diploma.

3.2 Comportamento
A outra alteração formal no novo documento respeita à denominação e classificação das diferentes medidas (disciplinares) a aplicar aos alunos que infrinjam alguns dos seus deveres, tanto previstos no Estatuto do Aluno como no Regulamento Interno da Escola.
Assim, comparando os dois diplomas pode-se referir que:
Na Lei nº 30/2002, de 20 de Dezembro – Estatuto do Aluno do Ensino não Superior, todas as medidas são classificadas como disciplinares, mas com finalidades distintas, pelo que, e de acordo com o nº 1 do artigo 24º - Finalidades das medidas disciplinares, as medidas disciplinares prosseguem finalidades pedagógicas e preventivas, enquanto que de acordo com o nº 2 do mesmo artigo, outras prosseguem finalidades sancionatórias.
Em relação ao tipo de medidas disciplinares, e de acordo com as finalidades anteriormente referidas, segundo o nº2 do artigo 26º, as medidas disciplinares preventivas e de integração são as seguintes:

· A advertência;
· A ordem de saída da sala de aula;
· As actividades de integração na escola;
· A transferência de escola.

Quanto às medidas disciplinares sancionatórias e de acordo com o nº 2 do artigo 27º, são as indicadas abaixo:

· A repreensão;
· A repreensão registada;
· A suspensão da escola até 5 dias;
· A suspensão da escola de 6 a 10 dias;
· A expulsão da escola.

Com as alterações introduzidas pela Lei nº 3/2008, de 18 de Janeiro, que passou a denominar-se “Estatuto do Aluno do Ensino Básico e Secundário”, as medidas (disciplinares) passaram a classificar-se em medidas correctivas e medidas disciplinares sancionatórias.
Tais alterações, de acordo com o nº 1 do artigo 24º - Finalidades das medidas correctivas e das disciplinares sancionatórias, implicam que todas as medidas correctivas e medidas disciplinares sancionatórias prosseguem finalidades pedagógicas, preventivas, dissuasoras e de integração. Mas, neste novo diploma, e considerando o exposto no nº 2 do artigo 24º, as medidas disciplinares sancionatórias também têm finalidades punitivas.
Quanto ao tipo de medidas correctivas, estas são caracterizadas de acordo com o nº 1 e 2 do artigo 26º, assumindo estas medidas uma natureza eminentemente cautelar, conforme se descrimina a seguir:

· A ordem de saída de sala de aula e demais locais onde se desenvolva o trabalho escolar;
· A realização de tarefas e actividades de integração escolar, podendo haver um aumento do período de permanência obrigatória, diária ou semanal, do aluno na escola;
· O condicionamento no acesso a espaços ou na utilização de certos materiais e equipamentos;
· A mudança de turma.

Quanto às medidas disciplinares sancionatórias, traduzem uma censura disciplinar do comportamento assumido pelo aluno, considerando-se os seguintes tipos:

· A repreensão registada;
· A suspensão da escola até 10 dias;
· A transferência de escola.

A nível da competência e da tramitação do procedimento disciplinar instaurado ao aluno, constatam-se duas alterações significativas que poderão eventualmente, ao invés de simplificarem e tornarem mais célere o processo, conforme suposto, torná-lo mais complexo e suscitar inúmeras dúvidas nos primeiros tempos da sua vigência:
Assim, no anterior Estatuto, os órgãos da escola tinham competência para aplicar todas as medidas disciplinares:
a) O Professor podia aplicar as medidas disciplinares de advertência, ordem de saída da sala de aula, repreensão (oral), e repreensão registada;
b) O Director de Turma ou Professor Titular da turma (1º ciclo do ensino básico) podia aplicar as medidas de advertência, repreensão (oral), e repreensão registada;
c) O Presidente do Conselho Executivo ou o Director da Escola tinha competência para aplicar as medidas de advertência, repreensão e repreensão registada e suspensão da escola até cinco dias úteis;
O Conselho de Turma disciplinar tinha competência para aplicar as medidas de advertência, repreensão e repreensão registada, execução de actividades de integração na escola, suspensão da escola, transferência de escola e expulsão da escola.
O Director Regional de Educação intervinha apenas nos casos de aplicação das medidas de transferência e de expulsão da escola, nos termos previstos no art. 42º do Estatuto.

No novo Estatuto, a aplicação das medidas disciplinares sancionatórias de Transferência de Escola (embora a instauração do respectivo procedimento disciplinar continue a ser do Presidente do Conselho Executivo ou do Director), passa a ser da competência do Director Regional de Educação respectivo (art. 43º). Ou seja, há um retirar de competências aos órgãos da escola, centralizando-se a decisão da aplicação ou não de tais medidas, o que parece traduzir alguma desconfiança em relação à capacidade de discernimento, justiça e adequação na aplicação de medidas concretas por parte de quem tem, precisamente, maior conhecimento dos problemas que terão originado o procedimento e as necessidades do estabelecimento e dos actores que nele actuam.
Ao invés de se reforçar a autoridade da Escola e seus órgãos, retira-se-lhe esse poder de decisão, o que é contraditório com os objectivos e princípios delineados na proposta de alteração da lei.

Quanto à dependência e tramitação do procedimento disciplinar:
a) No anterior Estatuto, apenas obrigam à instauração de procedimento disciplinar a aplicação das medidas de actividades de integração na escola, de transferência de escola, de suspensão de escola de 6 a 10 dias úteis e de expulsão da escola (art. 43º); isto é, na prática, o Presidente do Conselho Executivo, mediante apuramento sumário das responsabilidades, pode aplicar a discente infractor, até à medida de suspensão da escola até 5 dias úteis;
No novo Estatuto, ao não se diferenciar dois períodos (até 5 dias e de 6 a 10 dias) de suspensão da escola, torna-se obrigatória a instauração de procedimento disciplinar mesmo que à infracção praticada seja aplicável a medida de um dia de suspensão. Tal consubstancia uma maior complexidade e uma morosidade desnecessárias, que não se coadunam com a celeridade que o Governo pretendia imprimir a todo o processo.

b) Por outro lado, até agora, a tramitação do procedimento disciplinar era igual para a determinação da aplicação de qualquer das medidas disciplinares (nomeação de instrutor no prazo de um dia útil após participação ao Conselho Executivo da infracção; cinco dias úteis para conclusão da instrução e apresentação de relatório fundamentado pelo instrutor – o que, refira-se em abono da verdade, se afigura muitas vezes demasiado curto para realização de todas as diligências consentâneas com a descoberta da verdade objectiva dos factos, tais como inquirição do participante e do participado (obrigatória, salvo caso de força maior), recolha de depoimento de testemunhas, com a necessidade de aplicação dos prazos previstos no art. 102º do Código Procedimento. Administrativo e nº 2 do art. 46º do Estatuto, e quando o instrutor é um docente que, apesar do preceituado no nº 5 do art. 46º, acaba por nunca ficar isento dos seus outros deveres -; aplicação de medida disciplinar pelo presidente do conselho executivo ou convocatória do conselho de turma disciplinar para tomada de decisão no prazo de cinco dias (artigos. 46º e 48º do anterior estatuto).

No novo Estatuto parecem surgir duas tramitações para o procedimento disciplinar:
· Uma, praticamente igual à existente, tendente à eventual aplicação de todas as medidas disciplinares sancionatórias, com excepção da medida de transferência de escola (artigos 46º e 48º);
· Uma outra, tendente à aplicação das medidas de transferência da escola, delineada no art. 43º.

E porque se alega que esta última tramitação está incorrectamente delineada e reveste-se de maior burocracia?
No nº 3 do art. 43º, estipula-se que o processo é instruído e remetido para apreciação e decisão do Director Regional de Educação no prazo de 8 dias úteis, após a nomeação do instrutor;
Porém, nesse prazo, deve o Instrutor proceder a todas as diligências instrutórias (notificação da instauração do procedimento ao infractor e seu encarregado de educação, quando aquele seja menor; inquirição obrigatória do participado; inquirição do participante; inquirição de testemunhas oferecidas pelo participante ou cujo depoimento o instrutor considere pertinente face ao teor da participação; elaboração de acusação; notificação da mesma ao aluno participado e/ou encarregado de educação; decurso do prazo de dois dias úteis para o participado apresentar, querendo, defesa escrita, juntando prova documental e/ou testemunhal; inquirição das testemunhas de defesa, novamente respeitando os prazos do Código do Procedimento Administrativo; elaboração de relatório final fundamentado, com proposta de aplicação de medida disciplinar sancionatória ou de arquivamento do processo; convocatória do Conselho de Turma Disciplinar no caso da medida disciplinar sancionatória for a da transferência de escola.


3.3 Grupos Minoritários
Para além da análise geral às mudanças verificadas em termos de assiduidade e disciplina, este trabalho teve desde a sua concepção, o objectivo de identificar as alterações relacionadas com outras áreas julgadas fundamentais na Escola actual, nomeadamente os aspectos relacionados com os grupos sociais mais necessitados de medidas de protecção extraordinárias, como são os Alunos Deficientes e os Alunos Imigrantes. Julgou-se assim conveniente fazer a ligação entre o novo Estatuto do Aluno dos Ensinos Básico e Secundário e a especificidade dos direitos daqueles alunos.
Quanto aos alunos portadores de deficiência, apenas no seu artigo 2º o Estatuto refere que deve ser promovida a integração dos alunos na comunidade educativa, conforme os princípios gerais da Lei de Bases do Sistema Educativo – Lei nº 46/86, de 14 de Outubro, nomeadamente nos seus artigos 2º e 3º.
Estes artigos referem que todos os portugueses têm direito à educação e à cultura, nos termos da Constituição da República e que é da responsabilidade do Estado promover a democratização do ensino, garantindo o direito a uma justa e efectiva igualdade de oportunidades no acesso e no sucesso escolares. No acesso à educação e na sua prática, é garantido a todos os portugueses o respeito pelo princípio da liberdade de aprender e de ensinar, com tolerância para com as escolhas possíveis.
É referido ainda que o sistema educativo deve organizar-se de forma a :
Contribuir para a realização do educando, através do pleno desenvolvimento da personalidade, da formação do carácter e da cidadania, preparando-o para uma reflexão consciente sobre os valores espirituais, estéticos, morais e cívicos e proporcionando-lhe um equilibrado desenvolvimento físico.
Assegurar a formação cívica e moral dos jovens.
Assegurar o direito à diferença, mercê do respeito pelas personalidades e pelos projectos individuais da existência, bem como da consideração e valorização dos diferentes saberes e culturas.
Destas considerações expostas podemos dizer que em relação aos Alunos portadores de deficiência, nada é referido em particular no Estatuto, sendo que os seus direitos serão assegurados através de legislação especial, consubstanciada no Decreto-Lei nº 3/2008, de 7 de Janeiro, que veio substituir o anterior Decreto-Lei nº 319/91, de 23 de Agosto. O artigo 2º - Princípios orientadores, do Decreto-Lei nº3/2008, vai ao encontro do estipulado no artigo 2º do Estatuto do Aluno dos Ensinos Básico e Secundário e nos artigos 2º e 3º da Lei de Bases do Sistema Educativo.
Quanto aos Alunos Imigrantes, pelas razões expostas referentes aos Alunos Deficientes, quer através do artigo 2º do Estatuto, quer dos artigos 2º e 3º da Lei de Bases do Sistema Educativo, também nada é referido quanto a estes alunos, sendo que os seus direitos são também assegurados por legislação especial através dos números 31 a 46 da Resolução do Conselho de Ministros nº 63-A/2007, de 8 de Março, que para a área da Educação estabelece as regras do Plano para a Integração dos Imigrantes.
[1] nº 2 do art.º21º da Lei 30/2002 de 20 de Dezembro
[2] nº 2 do art.º 22º, Lei 30/2002 de 20 de Dezembro
[3] art.º 22º, Lei 30/2002 de 20 de Dezembro

4. Conclusões

O presente trabalho tem na sua génese a intenção de se constituir como uma ferramenta de trabalho para quantos o lerem, auxiliando na melhor compreensão do que mudou com o novo Estatuto do Aluno.
Ora, este ainda não está em vigor pelo que, uma parte importante do presente trabalho, consiste em tentar prever alguns impactos que o mesmo deverá provocar no funcionamento das escolas.
Neste particular, julga-se que as maiores mudanças deverão ocorrer devido às alterações introduzidas no regime de faltas. Desde logo na diferença na contagem das faltas derivadas do, quase, desaparecimento das faltas injustificadas, mas sobretudo devido à introdução de novos procedimentos, a levar a cabo quando os alunos excederem o limite de faltas, 3 vezes o número de aulas semanais em cada disciplina. Estes novos procedimentos passam pela aplicação de medidas correctivas e pela realização de uma prova de recuperação.
Estas mudanças levarão a um número substancialmente maior de comunicações de faltas para os encarregados de educação. Mas, mais importante que isto, muito provavelmente passará a haver muitos mais conselhos de turma para definição das medidas correctivas a aplicar aos alunos, definição das respectivas provas, avaliação dos efeitos das medidas correctivas e encaminhamento dos processos dos alunos que não tenham aproveitamento na prova.
Embora estes procedimentos não tenham obrigatoriamente todos de passar por um conselho de turma, em alguns deles isso está já previsto (por exemplo nas decisões a tomar nos casos em que os alunos não tenham aproveitamento na prova de recuperação), na maioria dos restantes, não terão qualquer tipo de eficácia se isso não acontecer.
Relativamente ao excesso de faltas, tendo em conta a reflexão efectuada, baseada também ela em algumas opiniões registadas sobre o novo regime, a operacionalização que parece mais exequível será a de se estabelecerem medidas correctivas adequadas a cada caso e sempre que os alunos tiverem avaliação positiva nas mesmas, não será realizada a prova de recuperação. As medidas correctivas que se estabelecerem em cada caso, normalmente de “integração escolar”[1], funcionarão, como castigo para alguns alunos, mas também como forma de recuperação para outros que faltam por motivos justificados. De qualquer forma, para os alunos que faltem sem justificação, será sempre uma oportunidade, já que no anterior estatuto estes procedimentos não estavam previstos, pois, ao excederem o limite de faltas, os alunos ficavam imediatamente em situação de retenção.
Relativamente ao regime de faltas permanecem ainda muitas dúvidas que só a entrada em vigor do novo estatuto esclarecerá melhor:
· Quantos alunos por turma estarão nesta situação?
· Quantos alunos cumprirão as medidas correctivas que lhes vierem a ser aplicadas?
· Quantos alunos voltarão a exceder o limite de faltas depois de já o terem feito uma vez?
· Que matéria ou matérias deverão ser incluídas na prova de recuperação?
Estas são apenas algumas das muitas perguntas que não deverão ter resposta única, pois, se por um lado o contexto social em que cada escola se encontra deverá levar a que haja diferenças significativas no número de casos de excesso de faltas dos alunos, por outro, como já foi referido, o estatuto do aluno não define a forma como serão implementados muitos dos procedimentos, o que fará com que a sua operacionalização possa variar de escola para escola.
Quanto às infracções e acções a tomar pela escola quando são violados os deveres do aluno consagrados no Estatuto e no Regulamento Interno da escola, pode-se concluir que em termos de medidas correctivas apenas foi retirada a advertência, não havendo alterações nas restantes.
No que respeita às medidas sancionatórias é de referir que o número de dias de suspensão deixou de estar em dois grupos distintos de um a cinco e de seis a dez dias, sendo que pelo anterior Estatuto a medida de suspensão de seis a dez dias impunha a instauração de um processo disciplinar, enquanto que com o novo Estatuto a medida de suspensão apenas prevê um grupo que vai de um a dez dias, impondo a obrigatoriedade de instaurar um processo disciplinar, independentemente da sanção a aplicar, após conclusão do processo, mesmo que seja um dia de suspensão.
Por outro lado verifica-se que em termos processuais a medida de transferência de escola deixou de ser da responsabilidade do Conselho Executivo ou Director de escola, ouvido o Conselho Disciplinar (que continuam a fazer parte do processo), mas passou a ser decidido pelo Director Regional de Educação.
Isto quer dizer que enquanto no anterior Estatuto a aplicação da sanção era da exclusiva responsabilidade dos órgãos da escola, tendo apenas interferência o Director Regional de Educação para garantir a execução da mesma, agora passou a ser o Director Regional de Educação a decidir se o aluno irá ou não ser transferido.
Assim, está posta em causa a autonomia da escola, relativamente a questões que são da sua exclusiva responsabilidade e do seu inteiro conhecimento: “A principal ilação a tirar é que não há ‘autonomia da escola’, sem o reconhecimentoda ‘autonomia dos indíviduos’ que a compõem”[2]
Conclui-se também que este novo Estatuto vem acarretar uma carga burocrática maior, porque sempre que haja lugar à instauração de um processo disciplinar é nomeado um instrutor, que será um professor nomeado pelo Conselho Executivo ou Director, não deixando o professor de cumprir as suas obrigações lectivas, pelo que, por esse facto, se houver uma escola onde o número de processos disciplinares forem em grande número, terá que se verificar um de dois cenários: Ou vão ser nomeados vários professores para os diferentes processos ou esta tarefa recairá num conjunto reduzido de professores. Em qualquer das duas situações irá haver uma sobrecarga de trabalho, e, uma vez que os processos disciplinares têm prioridade sobre as actividades lectivas, isto implicará algum grau de prejuízo para os restantes alunos.
Na pesquisa realizada, quer através do inquérito, quer da recolha de artigos de opinião, verificou-se um grande desconhecimento sobre o texto real, vulgarizando-se os rumores em detrimento das informações fidedignas.
Assim, encontrou-se uma desinformação generalizada, sendo particularmente grave nalguns componentes da comunidade educativa, como os alunos e os seus encarregados de educação.
Também prejudicial, embora eventualmente sintomático do tipo de debate a que se assiste, foi a falta de resposta por diversos interessados potenciais neste processo, desde autarcas a Associações, passando pelos serviços do Ministério da Educação.
Aliás, e no decorrer das pesquisas efectuadas, afigurou-se-nos que independentemente das políticas decretadas, a pesada máquina institucional do Ministério, apresenta uma inércia que é dificil vencer, fruto de processos ultrapassados enraizados nalguns funcionários, que “emperram” qualquer reforma, por muito bem intencionada que seja.
Já a falta de respostas informadas por parte da sociedade civil em geral, é um fenómeno particularmente grave, ao revelar uma sociedade desinteressada das temáticas educativas.
Porém, no decurso da realização deste trabalho, ou seja, já depois da sua proposta no âmbito da disciplina de Sociologia e Psicologia, o impacto mediático dos casos de indisciplina filmados por alunos e televisionados exaustivamente em horário nobre, trouxeram mais uma vez o Estatuto do Aluno para a ribalta, assistindo-se novamente à sua discussão na comunicação social, desde as mesas redondas televisivas às colunas de opinião nos jornais, mas, uma vez mais, o debate envolveu essencialmente a classe política e jornalística, com as habituais posições, em que os partidos da oposição criticam as medidas governamentais, as quais são por sua vez defendidas pelas forças políticas que apoiam o governo. Os jornalistas por sua vez, demonstram conhecer muito mal o documento, o que prejudica a qualidade do debate.
Os grandes ausentes desta discussão foram os professores, que mal ou bem, terão certamente alguns dados a acrescentar, fruto da sua experiência no terreno.
Afinal, as situações actualmente relatadas nos media como algo de surpreendente, são conhecidas desde há muito tempo pela generalidade da classe docente.
Assim, neste tema como em tantos outros, a usual subalternização dos contributos dos agentes educativos presentes nas escolas, poderá ter um preço que se pagará caro, pois como afirma Kenneth Zeichner: “um ensino de qualidade não é propriedade exclusiva das universidades e centros de investigação, (…) há uma separação entre teoria e prática que tem que ser ultrapassada: as teorias existem apenas nas universidades e a prática existe apenas nas escolas”[3]
E, neste caso, os contributos das escolas podiam ser importantes ao ter que aplicar medidas que nalguns aspectos permitem interpretações dúbias. Se por um lado algumas das dúvidas interpretativas podem abrir caminho a alguma autonomia, ao permitir a adopção de respostas diferentes em escolas diferentes, o espírito geral parece algo mais centralizador: Por exemplo as medidas disciplinares até aqui decididas pelos Conselhos de Turma, passam a ser responsabilidade exclusiva do Presidente do Conselho Executivo ou Director da Escola –, e da Direcção Regional de Educação.
É um preocupante passo no sentido de burocratizar o processo e de transferir o processo para fora da turma que lhe deu origem, cedendo a uma tendência centralizadora que contraria a ideia inicial anunciada. As escolas não são todas iguais e as suas especificidades devem ser consideradas. Parece um regresso à ideia de “Schools make no difference”[4], esquecendo-se o princípio de autonomia que se deseja para as escolas.
“O principal problema que afecta as escolas (...), é provocado pelo centralizado e burocratizado sistema de controlo que se exerce sobre elas.”[5], já afirmava João Barroso em 1996, mas 12 anos depois gestão disciplinar deslocaliza-se dos Conselhos de Turma para as Direcções Regionais.
Existem no entanto sinais positivos: A necessidade de esclarecer algumas das questões pendentes na articulação do Estatuto, tal como foi descrito ao longo deste trabalho, levaram o Ministério da Educação a atrasar sua implementação, dando mais tempo às escolas para encontrar soluções.
Dada a exigência de que os Regulamentos Internos das Escolas sejam adaptados ao novo Estatuto do Aluno, a sua aplicação imediata revelou-se inoportuna, reconhecendo o Ministério a complexidade da sua concretização prática nas escolas, no momento da entrada em vigor do Estatuto.
Assim, através do Ofício-Circular nº 6, de 21 de Fevereiro, o Ministério instruiu as Escolas que, no respeitante à adaptação dos Regulamentos Internos, estes deveriam estar concluídos até final do corrente ano lectivo 2007/2008, aplicando-se o regime anterior às situações que não estejam ainda contempladas no Regulamento Interno (ex: a prova de recuperação para justificação das faltas).
Este abrandamento pode permitir um maior esclarecimento das dúvidas existentes, sendo intenção dos autores deste trabalho disponibilizar a informação que recolheram e trataram num blog, actualmente disponível na Internet, onde para além de se proporcionar como espaço de debate, permitirá a consulta do presente documento.
Acredita-se assim que a discussão pública será forma mais eficiente de fornecer soluções ao debate actual: “Expondo e examinando as suas teorias práticas, para si próprio e para os seus colegas, o professor tem mais hipóteses de se aperceber das suas falhas. Discutindo publicamente no seio de grupos de professores, estes têm mais hipóteses de aprender uns com os outros e de terem uma palavra a dizer sobre o desenvolvimento da sua profissão”[6]
[1] alínea c do nº2 do art. 26º
[2] Barroso, João (1996). “O Estado da Escola”, p. 186
[3] Zeichner, Kenneth (1993). “O Professor como Prático Reflexivo”, p. 16 a 21
[4] Hodson, citado em “O Estado da Escola”, p. 178
[5] Barroso, João (1996). “O Estado da Escola”, p. 174
[6] Zeichner, Kenneth (1993). “O Professor como Prático Reflexivo”, p. 21

5. Bibliografia


Legislação
Lei 30/2002 de 20 de Dezembro

Lei 3/2008 de 18 de Janeiro

Dec. Lei 3/2008 de 7 de Janeiro

Livros

· Barroso, João (1996). “O Estado da Escola”, Porto, Porto editora.

· Schön, Donald (1992). “Formar Professores como profissionais reflexivos”;

· Zeichner, K.M. (1993). “A formação reflexiva de professores: Ideias e Práticas”. Lisboa: Educa.

Publicações Periódicas

· Alves, José Matias Correio da Educação, nº 312 de 5 de Novembro de 2007

· Antunes, João Lobo. Revista “Visão” - número 786 de 27 de Março de 2008

· Barreto, António. “Retrato da Semana” – Jornal “Público” de 30 de Março de 2008

· Vieira, Alice. “Jornal de Notícias” de 30 de Março de2008

· Secretaria Geral do Ministério da Educação, “O Boletim dos Professores”, nùmero 10 de Abril de 2008

Internet

· http://estatutodoaluno.blogspot.com/ - Blog criado pelos autores sobre o Estatuto do Aluno

· http://www.youtube.com/watch?v=0jhu64CtNKE - Video sobre Violência Escolar

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